Aa

Fausto – Parte I

por Johann Wolfgang von Goethe

CapĂ­tulo 1

Pois hĂĄ poucas coisas que nĂŁo possam ser ditas em inglĂȘs de duas maneiras — uma poĂ©tica e outra prosaica. Igualmente em alemĂŁo, uma palavra que no uso comum tem um carĂĄter meramente prosaico pode receber uma qualidade mais bela e fina da sua posição no verso. O tradutor de prosa deve certamente ser capaz de sentir a manifestação desta lei em ambas as lĂ­nguas e deve escolher as suas palavras de modo a satisfazer as suas exigĂȘncias recĂ­procas. Um homem, porĂ©m, que nĂŁo seja intensamente sensĂ­vel ao poder, Ă  beleza e ao valor do ritmo, provavelmente ignorarĂĄ estas delicadas, mas muito necessĂĄrias, distinçÔes. O pensamento do autor Ă© despojado de uma Ășltima graça ao passar pela sua mente, e frequentemente apresenta a mesma semelhança com o original que um fuste bruto tem com a coluna canelada. O Sr. Hayward, inconscientemente, ilustra a sua falta de um apreço refinado pelo verso, “ao dar,” como ele diz, “uma espĂ©cie de arranjo rĂ­tmico Ă s partes lĂ­ricas,” tendo como objetivo “transmitir alguma noção da variedade de versificação que constitui um grande encanto do poema.” Uma tradução literal Ă© sempre possĂ­vel nas passagens sem rima; mas, mesmo aqui, o ouvido do Sr. Hayward nĂŁo lhe ditou a necessidade de preservar o ritmo original.

Portanto, embora eu reconheça sinceramente o seu elevado apreço por Fausto — embora eu o honre pelo trabalho paciente e consciencioso que dedicou Ă  sua tradução —, nĂŁo posso deixar de sentir que ele prĂłprio ilustrou a fragilidade do seu argumento. No entanto, o facto de a sua tradução em prosa de Fausto ter recebido tanta aceitação prova aquelas qualidades da obra original que nĂŁo podem ser destruĂ­das por um teste tĂŁo violento. Do frio e nu esboço assim produzido, o leitor desconhecedor da lĂ­ngua alemĂŁ mal adivinharia o brilho de cor, a riqueza de vida mutĂĄvel, a graça fluente e a energia de movimento que se perderam no processo. Devemos, Ă© claro, receber com gratidĂŁo tal esboço, onde uma abordagem mais prĂłxima da forma do original Ă© impossĂ­vel; mas, atĂ© que esta Ășltima seja demonstrada, erramos em permanecer contentes com o substituto mais barato.

Parece-me que em todas as discussĂ”es sobre este assunto pouca justiça foi feita Ă s capacidades da lĂ­ngua inglesa. As tendĂȘncias intelectuais da nossa raça sempre foram algo conservadoras, e os seus padrĂ”es de gosto ou crença literĂĄria, uma vez estabelecidos, nĂŁo se alteram sem luta. O ouvido inglĂȘs desconfia de novas mĂ©tricas e de formas de expressĂŁo incomuns: hĂĄ detetives crĂ­ticos no rasto de cada autor, e uma violação dos cĂąnones aceites Ă© seguida por uma intimação a julgamento. Assim, a tendĂȘncia Ă© contrair, em vez de expandir, as excelĂȘncias reconhecidas da lĂ­ngua. NĂŁo consigo resistir Ă  tentação de citar a seguinte passagem de Jacob Grimm: “Nenhuma das lĂ­nguas modernas adquiriu maior força e vigor do que o inglĂȘs, atravĂ©s do desarranjo e do abandono das suas antigas leis de som. A profusĂŁo inensinĂĄvel (contudo, aprendĂ­vel) dos seus tons mĂ©dios conferiu-lhe um poder intrĂ­nseco de expressĂŁo como nenhuma outra lĂ­ngua humana jamais possuiu. A sua fundação, inteiramente intelectual e maravilhosamente bem-sucedida, e o seu desenvolvimento aperfeiçoado resultaram de uma uniĂŁo maravilhosa das duas mais nobres lĂ­nguas da Europa, a GermĂąnica e a RomĂąnica. A sua relação mĂștua na lĂ­ngua inglesa Ă© bem conhecida, uma vez que a primeira forneceu principalmente a base material, enquanto a segunda acrescentou as concepçÔes intelectuais. A lĂ­ngua inglesa, por e atravĂ©s da qual o maior e mais eminente poeta dos tempos modernos — em contraste com a antiga poesia clĂĄssica — (claro que sĂł posso referir-me a Shakespeare) foi gerado e nutrido, tem um justo direito a ser chamada lĂ­ngua universal; e parece estar destinada, tal como a raça inglesa, a um domĂ­nio mais elevado e mais amplo em todas as partes da terra. Pois em riqueza, em ajuste compacto de partes e em pura inteligĂȘncia, nenhuma das lĂ­nguas vivas pode ser comparada a ela — nem mesmo o nosso alemĂŁo, que estĂĄ dividido tal como nĂłs estamos divididos, e que deve descartar muitas imperfeiçÔes antes de poder entrar ousadamente na sua carreira.”—Ueber den Ursprung der Sprache.

As dificuldades para uma tradução quase literal de Fausto, nos metros originais, foram exageradas, porque certas afinidades entre as duas lĂ­nguas nĂŁo foram devidamente consideradas. Com todo o esplendor da versificação na obra, esta contĂ©m poucos metros dos quais a lĂ­ngua inglesa nĂŁo seja igualmente capaz. Hood nos familiarizou com rimas dactĂ­licas (triplas), e elas sĂŁo notavelmente abundantes e hĂĄbeis na “FĂĄbula para os CrĂ­ticos” do Sr. Lowell; atĂ© o hexĂąmetro iĂąmbico sem rima da Helena ocorre ocasionalmente no SansĂŁo Agonista de Milton. É verdade que o pĂ© mĂ©trico no qual a lĂ­ngua alemĂŁ mais naturalmente cai Ă© o trocaico, enquanto em inglĂȘs Ă© o iĂąmbico; Ă© verdade que o alemĂŁo Ă© rico, complexo e tolerante a novas combinaçÔes, enquanto o inglĂȘs Ă© simples, direto e um tanto avesso a compostos; mas precisamente essas diferenças sĂŁo tĂŁo modificadas no alemĂŁo de Fausto que hĂĄ uma aproximação mĂștua das duas lĂ­nguas. Em Fausto, a medida iĂąmbica predomina; o estilo Ă© compacto; as muitas licenças que o autor se permite sĂŁo todas direcionadas a um modo de construção mais curto. Por outro lado, o metro inglĂȘs obriga ao uso de inversĂ”es, admite muitas liberdades verbais proibidas Ă  prosa, e assim se inclina para vĂĄrias caracterĂ­sticas flexĂ­veis da sua lĂ­ngua-irmĂŁ, de modo que muitas linhas de Fausto podem ser repetidas em inglĂȘs sem a menor alteração de significado, mĂ©trica ou rima. HĂĄ palavras, Ă© verdade, com um brilho tĂŁo delicado sobre elas que de modo algum pode ser preservado; mas mesmo tais palavras sempre perderĂŁo menos quando carregarem consigo a sua atmosfera rĂ­tmica. O fluxo do verso de Goethe Ă© Ă s vezes tĂŁo semelhante ao do metro inglĂȘs correspondente, que nĂŁo apenas as suas harmonias e pausas cesurais, mas atĂ© a sua pontuação, podem ser facilmente mantidas.

Estou satisfeito que a diferença entre uma tradução de Fausto em prosa ou em metro seja principalmente uma questĂŁo de trabalho — e de um trabalho que Ă© bem-sucedido na proporção em que Ă© realizado com alegria. A minha prĂłpria tarefa foi animada pela descoberta de que quanto mais de perto eu reproduzia a linguagem do original, mais do seu carĂĄter rĂ­tmico era transferido ao mesmo tempo. Se, de vez em quando, havia uma alternativa inevitĂĄvel entre significado ou mĂșsica, eu dava preferĂȘncia ao primeiro. Pelo termo “metros originais” nĂŁo me refiro a uma adesĂŁo rĂ­gida e inflexĂ­vel a cada pĂ©, linha e rima do original alemĂŁo, embora isto tenha sido quase totalmente alcançado. Uma vez que a maior parte da obra estĂĄ escrita numa medida irregular, com as linhas variando de trĂȘs a seis pĂ©s e as rimas arranjadas de acordo com a vontade do autor, nĂŁo considero que uma mudança ocasional no nĂșmero de pĂ©s ou na ordem da rima seja qualquer violação do plano mĂ©trico. A Ășnica ligeira liberdade que tomei com as passagens lĂ­ricas Ă© na canção de Margarida — “O Rei de Thule” — na qual, ao omitir as rimas femininas alternadas, mas retendo o metro, consegui fazer a tradução estritamente literal. Se, em duas ou trĂȘs instĂąncias, deixei uma linha sem rima, equilibrei a omissĂŁo dando rimas a outras linhas que estĂŁo sem rima no texto original. Pela mesma razĂŁo, nĂŁo peço desculpas pelas rimas imperfeitas, que sĂŁo frequentemente uma tradução e tambĂ©m uma necessidade. Com todas as suas qualidades supremas, Fausto estĂĄ longe de ser uma obra tecnicamente perfeita. “Atualmente, tudo corre em trilhos tĂ©cnicos, e os senhores crĂ­ticos começam a discutir se numa rima um ‘s’ deve corresponder a um ‘s’ e nĂŁo a ‘sz’. Se eu fosse jovem e imprudente o suficiente, ofenderia propositadamente todos esses caprichos tĂ©cnicos: usaria aliteração, assonĂąncia, rima falsa, apenas de acordo com a minha prĂłpria vontade ou conveniĂȘncia — mas, ao mesmo tempo, atenderia ao principal e me esforçaria para dizer tantas coisas boas que todos seriam atraĂ­dos a lĂȘ-las e a lembrĂĄ-las.”—Goethe, em 1831.

As rimas femininas e dactĂ­licas, que foram em grande parte omitidas por todos os tradutores mĂ©tricos, exceto o Sr. Brooks, sĂŁo indispensĂĄveis. O tom caracterĂ­stico de muitas passagens seria quase perdido sem elas. Elas dĂŁo espĂ­rito e graça ao diĂĄlogo, pontuam as partes aforismĂĄticas (especialmente na Segunda Parte) e uma mĂșsica em constante mudança Ă s passagens lĂ­ricas. A lĂ­ngua inglesa, embora nĂŁo tĂŁo rica quanto a alemĂŁ em tais rimas, Ă© menos deficiente do que geralmente se supĂ”e. A dificuldade a ser superada Ă© mais de construção do que de vocabulĂĄrio. O particĂ­pio presente sĂł pode ser usado em extensĂŁo limitada, devido Ă  sua terminação fraca; e a falta de uma forma acusativa para o substantivo tambĂ©m restringe o arranjo das palavras no verso inglĂȘs. NĂŁo posso esperar ter sido sempre bem-sucedido; mas, pelo menos, trabalhei longa e pacientemente, tendo constantemente em mente nĂŁo apenas o significado do original e a estrutura mecĂąnica das linhas, mas tambĂ©m aquela mĂșsica sutil e assombrosa que parece governar o ritmo em vez de ser governada por ele.

B.T.

[Ilustração]

A GOETHE

EspĂ­rito sublime, perdido no reino dos espĂ­ritos!

Onde quer que seja a Tua morada luminosa,

Para uma criação mais alta renasceste,

E cantas ali a litania mais plena.

Daquele anseio que escolheste,

Do mais puro Éter, onde respiras livre,

Oh, inclina-Te a uma graciosa retribuição

Do Ășltimo eco dos Teus cĂąnticos!

O que vocĂȘ achou desta histĂłria?

Seja o primeiro a avaliar!

VocĂȘ precisa entrar para avaliar.

VocĂȘ tambĂ©m pode gostar