Capítulo 1 - Parte 1
ANTÓNIO E CLEÓPATRA por William Shakespeare
Índice
ATO I
Cena I.
Alexandria. Um quarto no palácio de Cleópatra.
Cena II.
Alexandria. Outro quarto no palácio de Cleópatra.
Cena III.
Alexandria. Um quarto no palácio de Cleópatra.
Cena IV.
Roma. Um apartamento na casa de César.
Cena V.
Alexandria. Um quarto no palácio.
ATO II
Cena I.
Messina. Um quarto na casa de Pompeu.
Cena II.
Roma. Um quarto na casa de Lépido.
Cena III.
Roma. Um quarto na casa de César.
Cena IV.
Roma. Uma rua.
Cena V.
Alexandria. Um quarto no palácio.
Cena VI.
Perto de Miseno.
Cena VII.
A bordo da galera de Pompeu, ancorada perto de Miseno.
ATO III
Cena I.
Uma planície na Síria.
Cena II.
Roma. Uma antecâmara na casa de César.
Cena III.
Alexandria. Um quarto no palácio.
Cena IV.
Atenas. Um quarto na casa de António.
Cena V.
Atenas. Outro quarto na casa de António.
Cena VI.
Roma. Um quarto na casa de César.
Cena VII.
Acampamento de António perto do promontório de Áccio.
Cena VIII.
Uma planície perto de Áccio.
Cena IX.
Outra parte da planície.
Cena X.
Outra parte da planície.
Cena XI.
Alexandria. Um quarto no palácio.
Cena XII.
Acampamento de César no Egito.
Cena XIII.
Alexandria. Um quarto no palácio.
ATO IV
Cena I.
Acampamento de César em Alexandria.
Cena II.
Alexandria. Um quarto no palácio.
Cena III.
Alexandria. Diante do palácio.
Cena IV.
Alexandria. Um quarto no palácio.
Cena V.
Acampamento de António perto de Alexandria.
Cena VI.
Alexandria. Acampamento de César.
Cena VII.
Campo de batalha entre os acampamentos.
Cena VIII.
Sob as muralhas de Alexandria.
Cena IX.
Acampamento de César.
Cena X.
Terreno entre os dois acampamentos.
Cena XI.
Outra parte do terreno.
Cena XII.
Outra parte do terreno.
Cena XIII.
Alexandria. Um quarto no palácio.
Cena XIV.
Alexandria. Outro quarto.
Cena XV.
Alexandria. Um monumento.
ATO V
Cena I.
Acampamento de César diante de Alexandria.
Cena II.
Alexandria. Um quarto no monumento.
Personagens
MARCO ANTÓNIO, Triúnviro
OTÁVIO CÉSAR, Triúnviro
LÉPIDO, Triúnviro
SEXTUS POMPEU,
DOMÍCIO ENÓBARBO, amigo de António
VENTÍDIO, amigo de António
EROS, amigo de António
ESCARO, amigo de António
DÉRCETO, amigo de António
DEMÉTRIO, amigo de António
FILO, amigo de António
MECENAS, amigo de César
AGRIPPA, amigo de César
DOLABELLA, amigo de César
PROCULÉIO, amigo de César
TÍDIAS, amigo de César
GALO, amigo de César
MENAS, amigo de Pompeu
MENÉCRATES, amigo de Pompeu
VÁRRIO, amigo de Pompeu
TAUROS, Tenente-General de César
CANÍDIO, Tenente-General de António
SÍLIO, um Oficial no exército de Ventídio
EUFRÓNIO, um Embaixador de António a César
ALEXAS, acompanhante de Cleópatra
MARDIAN, acompanhante de Cleópatra
SELEUCO, acompanhante de Cleópatra
DIOMEDES, acompanhante de Cleópatra
Um ADIVINHO
Um PALHAÇO
CLEÓPATRA, Rainha do Egito
OTÁVIA, irmã de César e esposa de António
CHÁRMION, Serva de Cleópatra
IRAS, Serva de Cleópatra
Oficiais, Soldados, Mensageiros e outros Acompanhantes
CENA: Dispersa, em várias partes do Império Romano.
ATO I
CENA I. Alexandria. Um quarto no palácio de Cleópatra.
Entram Demétrio e Filo.
FILO.
— Não, mas este delírio do nosso general
Excede a medida. Aqueles seus belos olhos,
Que sobre as fileiras e as inspeções de guerra
Brilhavam como Marte de armadura, agora se curvam, agora voltam
O ofício e a devoção do seu olhar
Sobre um rosto moreno. O coração do seu comandante,
Que nas contendas de grandes lutas rebentou
As fivelas no seu peito, renega toda a têmpera
E se tornou fole e leque
Para refrescar o desejo de uma cigana.
Fanfarra. Entram António e Cleópatra, as suas damas, a comitiva, com
eunucos a abaná-la.
— Olha-os a vir:
Presta bem atenção, e verás nele
O triplo pilar do mundo transformado
No tolo de uma prostituta. Vê e repara.
CLEÓPATRA.
— Se for amor, de facto, diz-me quanto.
ANTÓNIO.
— Há pobreza no amor que pode ser calculado.
CLEÓPATRA.
— Porei limite ao quanto serei amada.
ANTÓNIO.
— Então hás de encontrar novos céus, nova terra.
Entra um Mensageiro.
MENSAGEIRO.
— Notícias, meu bom senhor, de Roma.
ANTÓNIO.
— Irrita-me o resumo.
CLEÓPATRA.
— Não, ouve-os, António.
Fúlvio, porventura, está zangada; ou quem sabe
Se César, de barba rala, não te enviou
O seu poderoso mandado: "Faz isto ou aquilo;
Toma aquele reino e liberta aquele.
Cumpre-o, ou então nós te condenamos."
ANTÓNIO.
— Como, meu amor?
CLEÓPATRA.
— Porventura! Não, e o mais provável.
Não deves ficar mais aqui; a tua dispensa
Vem de César; portanto, ouve-a, António.
Onde está o processo de Fúlvio?—De César, eu diria? Ambos?
Chama os mensageiros. Como sou rainha do Egito,
Tu coras, António, e esse teu sangue
É vassalo de César; senão a tua face paga a vergonha
Quando Fúlvio, de língua afiada, te repreende. Os mensageiros!
ANTÓNIO.
— Que Roma se derreta no Tibre, e o vasto arco
Do império ordenado caia! Aqui é o meu lugar.
Reinos são pó. A nossa terra adubada igualmente
Alimenta a besta como o homem. A nobreza da vida
É agir assim [Abraçando]; quando um par tão mútuo
E tal par pode fazê-lo, no qual eu uno,
Sob pena de castigo, o mundo a saber
Que somos inigualáveis.
CLEÓPATRA.
— Excelente falsidade!
Por que se casou com Fúlvio, e não a amou?
Parecerei a tola que não sou. António
Será ele mesmo.
ANTÓNIO.
— Mas agitado por Cleópatra.
Agora, pelo amor do Amor e das suas horas suaves,
Não confundamos o tempo com conversas rudes.
Não há um minuto das nossas vidas que se deva prolongar
Sem algum prazer agora. Que divertimento esta noite?
CLEÓPATRA.
— Ouve os embaixadores.
ANTÓNIO.
— Ah, rainha impetuosa!
A quem tudo assenta — repreender, rir,
Chorar; cuja paixão se empenha plenamente
Para se tornar, em ti, bela e admirada!
Nenhum mensageiro senão o teu, e sozinhos
Esta noite vaguearemos pelas ruas e notaremos
As qualidades das pessoas. Vem, minha rainha,
Ontem à noite tu o desejaste. Não nos interrompas.
[Saem António e Cleópatra com a comitiva.]
DEMÉTRIO.
— É César tão pouco estimado por António?
FILO.
— Senhor, às vezes, quando ele não é António,
Ele fica aquém dessa grande qualidade
Que sempre devia acompanhar António.
DEMÉTRIO.
— Lamento muito
Que ele dê crédito ao falatório comum que
Assim fala dele em Roma, mas eu espero
Por feitos melhores amanhã. Fiquem bem!
[Saem.]
CENA II. Alexandria. Outro quarto no palácio de Cleópatra.
Entram Enobarbo, o Adivinho, Chármion, Iras, Mardian e Alexas.
CHÁRMION.
— Lorde Alexas, doce Alexas, Alexas de todas as qualidades, quase o mais perfeito
Alexas, onde está o adivinho que tanto elogiou à rainha? Oh, se eu conhecesse este marido que dizes que deve carregar os chifres com grinaldas!
ALEXAS.
— Adivinho!
ADIVINHO.
— Vossa vontade?
CHÁRMION.
— É este o homem? És tu, senhor, que sabes as coisas?
ADIVINHO.
— No infinito livro de segredos da natureza
Um pouco posso ler.
ALEXAS.
— Mostra-lhe a tua mão.
ENÓBARBO.
— Tragam o banquete rapidamente; vinho em abundância
Para beber à saúde de Cleópatra.
CHÁRMION.
— Bom, senhor, prediz-me boa sorte.
ADIVINHO.
— Não a faço, mas prevejo.
CHÁRMION.
— Rogo-te, então, prevê-me uma.
ADIVINHO.
— Serás ainda muito mais bela do que és.
CHÁRMION.
— Ele quer dizer em carne.
IRAS.
— Não, pintarás quando fores velha.
CHÁRMION.
— Rugas, não!
ALEXAS.
— Não atormentes a sua presciência. Sê atenta.
CHÁRMION.
— Silêncio!
ADIVINHO.
— Serás mais amorosa do que amada.
CHÁRMION.
— Prefiro aquecer o meu fígado a beber.
ALEXAS.
— Não, ouve-o.
CHÁRMION.
— Ora bem, alguma excelente fortuna! Que eu me case com três reis numa manhã e os enviúve a todos. Que eu tenha um filho aos cinquenta, a quem
Herodes da Judeia possa prestar homenagem. Arranja-me um casamento com Otávio César, e que eu seja a companheira da minha senhora.
ADIVINHO.
— Hás de sobreviver à senhora a quem serves.
CHÁRMION.
— Oh, excelente! Amo a vida longa mais do que figos.
ADIVINHO.
— Provavelmente viveste uma fortuna anterior mais bela
Do que a que está para chegar.
CHÁRMION.
— Então, parece que os meus filhos não terão nomes. Por favor, quantos rapazes e raparigas devo ter?
ADIVINHO.
— Se cada um dos teus desejos tivesse um útero,
E fosse cada desejo fértil, um milhão.
CHÁRMION.
— Fora, tolo! Perdoo-te por seres bruxo.
ALEXAS.
— Achas que ninguém senão os teus lençóis conhecem os teus desejos.
CHÁRMION.
— Não, vem cá, diz a Iras a sua.
ALEXAS.
— Saberemos todas as nossas fortunas.
ENÓBARBO.
— A minha, e a maioria das nossas fortunas, esta noite, será a de beber até cair na cama.
IRAS.
— Há uma palma que pressagia castidade, se mais nada.
CHÁRMION.
— Assim como o Nilo transbordante pressagia fome.
IRAS.
— Vai, sua mulher lasciva, não podes adivinhar.
CHÁRMION.
— Não, se uma palma oleosa não for uma prognosticação frutuosa, não consigo coçar a orelha. Por favor, diz-lhe apenas a fortuna do quotidiano.
ADIVINHO.
— As vossas fortunas são semelhantes.
IRAS.
— Mas como, mas como? Dá-me pormenores.
ADIVINHO.
— Eu disse.
IRAS.
— Não sou eu um centímetro melhor em fortuna do que ela?
CHÁRMION.
— Bem, se fosses apenas um centímetro melhor em fortuna do que eu, onde o escolherias?
IRAS.
— Não no nariz do meu marido.
CHÁRMION.
— Que os céus melhorem os nossos piores pensamentos! Alexas — vem, a sua fortuna! a sua fortuna! Oh, que ele se case com uma mulher que não possa andar, doce Ísis, eu te imploro, e que ela morra também, e que lhe dês uma pior, e que o pior siga o pior, até que o pior de todos o siga a rir para o seu túmulo, cinquenta vezes corno! Boa Ísis, ouve esta minha oração, ainda que me negues algo de maior peso! Boa Ísis, eu te imploro!
IRAS.
— Ámen. Querida deusa, ouve essa oração do povo! Pois, assim como é de partir o coração ver um homem bonito com uma mulher vadia, assim é uma tristeza mortal contemplar um vil patife encornado. Portanto, querida Ísis, mantém o decoro e dá-lhe a fortuna que merece!
CHÁRMION.
— Ámen.
ALEXAS.
— Olha agora, se estivesse nas mãos delas fazer-me corno, elas próprias se fariam prostitutas para o fazer!
Entra Cleópatra.
ENÓBARBO.
— Silêncio, aqui vem António.
CHÁRMION.
— Não ele, a rainha.
CLEÓPATRA.
— Vistes meu senhor?
ENÓBARBO.
— Não, senhora.
CLEÓPATRA.
— Ele não esteve aqui?
CHÁRMION.
— Não, senhora.
CLEÓPATRA.
— Ele estava inclinado à alegria; mas de súbito
Um pensamento romano o atingiu. Enobarbo!
ENÓBARBO.
— Senhora?
CLEÓPATRA.
— Procura-o e traze-o cá. Onde está Alexas?
ALEXAS.
— Aqui, ao vosso serviço. Meu senhor aproxima-se.
Entra António com um Mensageiro.
CLEÓPATRA.
— Não o olharemos. Vai connosco.
[Saem Cleópatra, Enobarbo, Chármion, Iras, Alexas e o Adivinho.]
MENSAGEIRO.
— Fúlvio, tua esposa, primeiro entrou em campo.
ANTÓNIO.
— Contra o meu irmão Lúcio.
MENSAGEIRO.
— Sim.
Mas cedo aquela guerra teve fim, e a conjuntura
Fez deles amigos, unindo a sua força contra César,
Cujo melhor êxito na guerra, vindo de Itália,
No primeiro encontro os expulsou.
ANTÓNIO.
— Bem, e o que há de pior?
MENSAGEIRO.
— A natureza das más notícias infeta o mensageiro.
ANTÓNIO.
— Quando se trata do tolo ou do covarde. Continua.
Coisas que passaram estão resolvidas para mim. É assim:
Quem me diz a verdade, embora na sua história haja morte,
Eu o ouço como se ele lisonjeasse.
MENSAGEIRO.
— Labieno—
Estas são notícias duras—com a sua força parta
Estendeu a Ásia desde o Eufrates.
A sua bandeira vitoriosa agitou-se da Síria
Para a Lídia e para a Jónia,
Enquanto—
ANTÓNIO.
— "António", tu dirias—
MENSAGEIRO.
— Oh, meu senhor!
ANTÓNIO.
— Fala-me abertamente; não censures a língua geral.
Nomeia Cleópatra como ela é chamada em Roma;
Com as palavras de Fúlvio, amaldiçoa, e insulta as minhas faltas
Com tanta liberdade quanto a verdade e a malícia
Têm poder para proferir. Oh, então produzimos ervas daninhas
Quando as nossas mentes ágeis jazem inertes, e quando os nossos males nos são contados
É como a nossa lavoura. Por agora, podes ir.
MENSAGEIRO.
— Ao vosso nobre prazer.
[Sai o Mensageiro.]
Entra outro Mensageiro.
ANTÓNIO.
— De Sícion, ah, as notícias? Fala!
SEGUNDO MENSAGEIRO.
— O homem de Sícion—
ANTÓNIO.
— Existe alguém assim?
SEGUNDO MENSAGEIRO.
— Ele espera a vossa vontade.
ANTÓNIO.
— Que ele apareça.
[Sai o segundo Mensageiro.]
— Estas fortes amarras egípcias eu devo quebrar,
Ou perder-me na paixão.
Entra outro Mensageiro com uma carta.
ANTÓNIO.
— Quem és tu?
TERCEIRO MENSAGEIRO.
— Fúlvio, tua esposa, está morta.
ANTÓNIO.
— Onde morreu ela?
TERCEIRO MENSAGEIRO.
— Em Sícion:
A duração da sua doença, juntamente com o que de mais grave
Te importa saber, isto traz.
[Entrega uma carta.]
ANTÓNIO.
— Deixa-me.
[Sai o terceiro Mensageiro.]
— Um grande espírito partiu! Foi como eu o desejei.
O que os nossos desprezos muitas vezes afastam de nós,
Nós o desejamos nosso de novo. O prazer presente,
Pela sua revolução declinando, torna-se
O oposto de si mesmo. É bom que ela tenha partido.
A mão que a empurrou para a frente poderia puxá-la de volta.
Devo separar-me desta rainha encantadora.
Dez mil males, mais do que os males que conheço,
A minha ociosidade engendra. Então, Enobarbo!
Entra Enobarbo.
ENÓBARBO.
— Qual é o vosso desejo, senhor?
ANTÓNIO.
— Devo partir daqui com pressa.
ENÓBARBO.
— Matemos então todas as nossas mulheres. Vemos a crueldade mortal que lhes impomos. Se a nossa partida as fizer sofrer, a morte é o seu destino.
ANTÓNIO.
— Devo ir-me embora.
ENÓBARBO.
— Face a uma ocasião imperativa, que as mulheres morram. Seria uma pena descartá-las por nada, embora, entre elas e uma grande causa, deveriam ser tidas como nada. Cleópatra, ao menor rumor disto, morre instantaneamente. Já a vi morrer vinte vezes em momentos muito mais insignificantes. Creio que há uma coragem na morte, que pratica um ato tão amoroso sobre ela, ela tem tamanha presteza em morrer.
ANTÓNIO.
— Ela é astuta além do pensamento humano.
ENÓBARBO.
— Ai, senhor, não; as suas paixões são feitas de nada, a não ser da mais pura essência do amor puro. Não podemos chamar suspiros e lágrimas aos seus ventos e águas; são maiores tempestades e borrascas do que os almanaques podem relatar. Isto não pode ser astúcia nela; se o for, então ela chora tão bem como Júpiter.
ANTÓNIO.
— Quem me dera nunca a ter visto!
ENÓBARBO.
— Oh, senhor, teríeis então deixado de ver uma obra maravilhosa, e não a ter visto teria desacreditado a vossa viagem.
ANTÓNIO.
— Fúlvio está morta.
ENÓBARBO.
— Senhor?
ANTÓNIO.
— Fúlvio está morta.
ENÓBARBO.
— Fúlvio?
ANTÓNIO.
— Morta.
ENÓBARBO.
— Ora, senhor, oferece aos deuses um sacrifício de gratidão. Quando às suas divindades aprazem tirar a esposa a um homem, isso mostra ao homem os alfaiates da terra; confortando-o com o facto de que, quando as vestes velhas se gastam, há membros para fazer novas. Se não houvesse mais mulheres senão Fúlvio, então terias, de facto, um desgosto, e um motivo de luto. Esta dor é coroada com consolação; a tua velha camisa produz uma nova saia: e, na verdade, as lágrimas moram numa cebola que deveria regar esta tristeza.
ANTÓNIO.
— O negócio que ela provocou no estado
Não pode suportar a minha ausência.
ENÓBARBO.
— E o negócio que provocaste aqui não pode passar sem ti, especialmente o de Cleópatra, que depende inteiramente da tua permanência.
ANTÓNIO.
— Chega de respostas levianas. Que os nossos oficiais
Sejam notificados do que propomos. Eu revelarei
A causa da nossa partida à Rainha,
E obterei a sua licença para partir. Pois não só
A morte de Fúlvio, com avisos mais urgentes,
Nos fala fortemente, mas também as cartas
De muitos dos nossos amigos conspiradores em Roma
Nos chamam de volta a casa. Sexto Pompeu
Lançou o desafio a César, e comanda
O império do mar. O nosso povo inconstante,
Cujo amor nunca está ligado ao merecedor
Até que os seus méritos se esgotem, começa a conferir
Pompeu, o Grande, e todas as suas dignidades
Sobre o seu filho, que, elevado em nome e poder,
Mais alto do que ambos em sangue e em vida, se ergue
Como o principal soldado; cuja excelência, prosseguindo,
Os confins do mundo podem perigar. Muito está a ser gerado
Que, como o cabelo de cavalo, ainda tem apenas vida
E não o veneno de uma serpente. Comunica a nossa intenção
Àqueles que nos são subordinados, exigindo
A nossa rápida partida daqui.
ENÓBARBO.
— Eu o farei.
[Saem.]
CENA III. Alexandria. Um quarto no palácio de Cleópatra.
Entram Cleópatra, Chármion, Alexas e Iras.
CLEÓPATRA.
— Onde está ele?
CHÁRMION.
— Não o vi desde então.
CLEÓPATRA.
— Vê onde ele está, quem está com ele, o que ele faz.
Não te mandei ir. Se o encontrares triste,
Diz que estou a dançar; se alegre, relata
Que estou subitamente doente. Rápido, e regressa.
[Sai Alexas.]
CHÁRMION.
— Senhora, parece-me que, se o amásseis sinceramente,
Não usaríeis este método para o forçar
A corresponder na mesma moeda.
CLEÓPATRA.
— O que eu deveria fazer que não faço?
CHÁRMION.
— Em tudo cede-lhe; não o contraries em nada.
CLEÓPATRA.
— Ensinas como uma tola: o caminho para o perder.
CHÁRMION.
— Não o tentes tanto; evita-o, se o desejas.
Com o tempo odiamos o que muitas vezes tememos.
Mas aqui vem António.
Entra António.
CLEÓPATRA.
— Estou doente e amuado.
ANTÓNIO.
— Lamento dar voz ao meu propósito—
CLEÓPATRA.
— Ajuda-me a levantar, querida Chármion! Caio.
Não pode ser assim por muito tempo; os limites da natureza
Não o sustentarão.
ANTÓNIO.
— Agora, minha querida rainha—
CLEÓPATRA.
— Por favor, afastai-vos de mim.
ANTÓNIO.
— Qual é o problema?
CLEÓPATRA.
— Sei por esse mesmo olhar que há boas notícias.
— O quê? Diz a mulher casada que podes ir?
Quem me dera que ela nunca te tivesse dado licença para vir!
Que ela não diga que sou eu a reter-te aqui.
Não tenho poder sobre ti; és dela.
ANTÓNIO.
— Os deuses melhor sabem—
CLEÓPATRA.
— Oh, nunca houve rainha
Tão poderosamente traída! No entanto, desde o princípio
Vi as traições plantadas.
ANTÓNIO.
— Cleópatra—
CLEÓPATRA.
— Por que eu deveria pensar que podes ser meu e fiel,
Embora tu, ao jurar, faças os deuses entronizados tremerem,
Tu que foste falso para com Fúlvio? Que loucura tumultuosa,
Envolver-se em tais votos, feitos da boca para fora,
Que se desfazem ao serem proferidos!
ANTÓNIO.
— Minha dulcíssima rainha—
CLEÓPATRA.
— Não, por favor, não procures pretexto para a tua partida,
Mas despede-te e vai. Quando suplicaste para ficar,
Então era o tempo para palavras. Nenhuma partida, então,
A eternidade estava nos nossos lábios e olhos,
A bem-aventurança na curva das nossas sobrancelhas; nenhuma parte nossa tão pobre
Que não fosse um pedaço do céu. São assim ainda,
Ou tu, o maior soldado do mundo,
Te tornaste o maior mentiroso.
ANTÓNIO.
— E então, senhora!
CLEÓPATRA.
— Quem me dera ter as tuas medidas, para que soubesses
Que havia um coração no Egito.
ANTÓNIO.
— Ouve-me, rainha:
A forte necessidade do tempo exige
Os nossos serviços por algum tempo, mas o meu coração pleno
Permanece contigo. A nossa Itália
Brilha com guerras civis; Sexto Pompeu
Aproxima-se dos portos de Roma;
A igualdade de dois poderes internos
Gera cisões meticulosas; os odiados, agora mais fortes,
Recentemente ganharam apoio; o condenado Pompeu,
Rico na honra de seu pai, insinua-se rapidamente
Nos corações daqueles que não prosperaram
No estado presente, cujo número ameaça;
E a quietude, adoecida pelo repouso, se purgaria
Com qualquer mudança desesperada. A minha razão mais premente,
E aquela que mais contigo deveria justificar a minha partida,
É a morte de Fúlvio.
CLEÓPATRA.
— Embora a idade não me pudesse libertar da loucura,
Liberta-me da infantilidade. Fúlvio pode morrer?
ANTÓNIO.
— Ela está morta, minha rainha.
Olha aqui, e no teu soberano lazer lê
As perturbações que ela despertou; por fim, o melhor,
Vê quando e onde ela morreu.
CLEÓPATRA.
— Oh, amor mais falso!
Onde estão os vasos sagrados que deverias encher
Com água triste? Agora vejo, vejo,
Na morte de Fúlvio vejo como a minha será recebida.
ANTÓNIO.
— Não discutas mais, mas prepara-te para saber
Os propósitos que trago; os quais, ou se cumprem, ou cessam,
Conforme deres o teu conselho. Pelo fogo
Que vivifica o limo do Nilo, parto daqui
Teu soldado, servo, fazendo paz ou guerra
Conforme tu desejares.
CLEÓPATRA.
— Corta o meu espartilho, Chármion, vem!
Mas deixa; fico depressa bem e mal,
Conforme António ama.
ANTÓNIO.
— Minha preciosa rainha, pára,
E dá verdadeiro testemunho ao teu amor, que suporta
Um julgamento honroso.
CLEÓPATRA.
— Assim me disse Fúlvio.
Rogo-te, vira-te e chora por ela,
Então despede-te de mim, e diz que as lágrimas
Pertencem ao Egito. Ora bem, encena uma cena
De excelente dissimulação, e que pareça
Uma honra perfeita.
ANTÓNIO.
— Vais aquecer-me o sangue. Não mais.
CLEÓPATRA.
— Podes fazer melhor ainda, mas isto é adequado.
ANTÓNIO.
— Agora, pela minha espada—
CLEÓPATRA.
— E escudo. Ele ainda melhora.
Mas isto não é o melhor. Olha, por favor, Chármion,
Como este romano hercúleo se ajeita
Ao porte da sua raiva.
ANTÓNIO.
— Vou deixar-te, senhora.
CLEÓPATRA.
— Cortês senhor, uma palavra.
Senhor, tu e eu devemos partir, mas não é isso o que importa;