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Obras Dramáticas: A comédia do amor; Brand; Peer Gynt

por Henrik Ibsen

Capítulo Primeiro - Parte Primeira

ATO PRIMEIRO.

Um belo jardim, irregular, mas de bom gosto. Ao fundo, vê-se o fiorde e suas ilhas. À esquerda do espectador, o edifício principal com uma varanda e, acima dela, uma janela de sótão aberta. À direita, em primeiro plano, um caramanchão aberto com mesa e bancos. A paisagem está sob uma forte luz de entardecer. É início de verão; as árvores frutíferas estão em flor.

Ao levantar do pano, a Sra. Halm, Anna e a Srta. Ekster estão sentadas na varanda, as duas primeiras ocupadas com trabalhos manuais, a última com um livro. No caramanchão, vê-se Valk, Lind, Goudstad e Stuiver; sobre a mesa há uma poncheira com copos. Zwaanhilde está sentada sozinha ao fundo, perto da água.

VALK (em pé, com o copo levantado, canta).

—Para alegria e prazer vos foi dado

Num florido jardim sereno, dia soalheiro;

Esquecei que o outono muitas vezes não pode dar

O que a primavera prometeu com um doce riso.

Ramos em flor cheios de doces perfumes

Estendem-se em arco sobre vós...

Deixai que a tempestade os despedace esta noite,

Espalhando pelos campos e caminhos sua presa.

Por que perguntar por frutos maduros

Quando todas as árvores estão em flor?

Por que lamentar, por que suspirar,

Prosseguir pela vida com afã e escravidão?

Por que no campo, em postes altos,

Espantalhos com casaco e chapéu?

Irmãos, queremos os cantos dos pássaros

Soando em nossos ouvidos doce e agradável.

Por que afastar os pássaros

De vosso pomar de cerejeiras em plena floração!

Deixai-os roubar esses poucos dias...

Os pássaros valem o dobro do seu canto.

No fim, de fato, ainda se ganha na troca,

Recebe doces cantos por frutos tardios...

O Tempo passa depressa, e pensai bem

Como o verão logo fugirá novamente.

Viver quero, desfrutar e cantar,

Até que a última sebe esteja sem folhas;

Não exigirei mais como uma criança,

Então, tranquilamente, removerão o que sobra.

Abri o portão; deixai o gado, a seu bel-prazer,

Pastar guloso, contente e em silêncio;

Eu colhi as flores... que me importa

Quem quiser levar o resto, morto!

VALK (dirigindo-se às senhoras).

—Vejam, esta foi a canção que me pediram... Sejam um pouco indulgentes... não é grande coisa.

GOUDSTAD.

—Ora, que importa, desde que a canção soe bem!

SRTA. EKSTER (olha em volta).

—Mas Zwaanhild, que tanto insistiu nela? Assim que Valk começou, ela voou. Agora não está.

ANNA (aponta para o fundo).

—Não, ela está sentada ali.

SRA. HALM (suspirando).

—Oh céus, essa criança! Quem a ensinará um dia a ter modos!

SRTA. EKSTER.

—Mas diga, meu senhor, a mim a sua canção no fim pareceu-me

Muito menos rica em... sim... em poesia

Do que no resto se pode encontrar.

STUIVER.

—Sim, e era fácil o suficiente

Para adicionar algo também ao final.

VALK (brinda com ele).

—É só espalhar, como cola entre as rachaduras,

Até que grude e a madeira se assemelhe a mármore.

STUIVER (imperturbável).

—Sim, isso funciona muito bem; lembro-me tão bem;

Assim eu também fazia...

GOUDSTAD.

—O quê? O senhor também poetizava?

SRTA. EKSTER.

—Meu caro? Ah, sim!

STUIVER.

—Ah, não era importante.

SRTA. EKSTER (para as senhoras).

—Ele é romântico no coração.

SRA. HALM.

—Sim, ele é.

STUIVER.

—Ah, agora não mais; isso foi há muito tempo.

VALK.

—Verniz e romantismo, que se desgastam com o tempo.

Mas antes, sim, então...?

STUIVER.

—Sim, foi naquela época,

Quando eu estava apaixonado.

VALK.

—Estava? Isso já passou então? Não pensei que a tua embriaguez de amor já tivesse acabado!

STUIVER.

—Agora, afinal, estou oficialmente noivo,

Isso é melhor do que estar apaixonado, penso eu.

VALK.

—Muito certo, meu caro amigo, também acho!

Assim promovido, o mais difícil estava superado:

Promoção de amante a amado.

STUIVER (com um sorriso de recordação agradável).

—É tão estranho! Quase duvidaria

Se a minha memória não me enganasse. (virando-se para Valk) Há sete anos... é a verdade!

Eu fazia versos em silêncio no escritório.

VALK.

—Fazia versos... Onde?

STUIVER.

—Ora, na mesa.

GOUDSTAD.

—Silentium! O escrivão tem agora a palavra!

STUIVER.

—Especialmente à noite, quando tinha folga,

Escrevia séries inteiras de versos,

Às vezes, tão longos como... sim, duas, três folhas cheias.

Isso funcionava!

VALK.

—Davas um pontapé na tua Musa,

E ela logo trotava...

STUIVER.

—Se o papel estava carimbado

Ou não, era-lhe perfeitamente indiferente.

VALK.

—Então o poetizar fluía com tanta facilidade?

Mas diga, como é que o senhor entrou no templo?

STUIVER.

—Com o pé-de-cabra do amor, meu caro amigo!

Em outras palavras, foi a senhorita Ekster,

Que algum tempo depois se tornou minha noiva;

Pois então ela era...

VALK.

—Apenas a sua chama.

STUIVER (continuando).

—Foi um tempo estranho; esqueci meus estudos;

Minha pena eu não afiava, não, eu tinha que afiná-la,

E se às vezes ela emperrava no papel,

Isso soava como melodia do que escrevia;...

Finalmente, então, enviei uma carta

Para ela... para ela...

VALK.

—De quem você então se tornou o amado.

STUIVER.

—No mesmo dia ela me enviou a resposta;

Aceitou o meu pedido... o assunto estava resolvido!

VALK.

—E você, sentia-se um herói no escritório;

Agora tinha o seu amor seguro!

STUIVER.

—Claro, sim.

VALK.

—E nunca mais poetizou?

STUIVER.

—Não, depois disso, nunca mais senti o impulso;

Foi como se, de repente, o meu fogo poético se tivesse apagado;

E se, de vez em quando, tento compor um verso de Ano Novo ou algo assim,

Não consigo fazê-lo com rima nem ritmo,

E... não percebo o que está errado...

Mas torna-se trabalho de estilo de escritório, não poesia.

GOUDSTAD (brinda com ele).

—E o senhor, na verdade, não é por isso de menos! (para Valk)

O senhor pensa que no barquinho da felicidade

Só para o senhor um lugar está guardado;

Mas seja cauteloso ao aventurar-se na viagem.

Quanto ao seu verso, não sei

Se é poético em todos os aspetos,

Mas por mais que vire e revire as palavras

A sua moral não presta, isso eu digo.

Como se deve chamar uma administração assim,

Que deixa os pássaros bicar à vontade o fruto verde

Antes que possa amadurecer?

Que deixa a vaca e o bezerro pastar livremente na relva,

Para que tudo esteja nu quando a época do feno chegar?

Ora, o ano que vem estaria bonito aqui!

VALK (levanta-se).

—Ah, o próximo, o próximo! Repugnante é o sentido

Que reside nesta palavra frouxa 'o próximo';

Isso empobrece o homem mais alegre de repente!

Se eu fosse por uma hora o sultão dos contos

Que dispõe livremente sobre a morte e a vida,

Essa palavra estaria rapidamente condenada à morte,

Como o duplo 'o' e 'e' na nova ortografia.

STUIVER.

—Que tem então contra a palavra da esperança?

VALK.

—Que ela obscurece o belo mundo de Deus para nós.

'O próximo amor', 'a próxima mulher',

'A próxima refeição' e 'a próxima vida',...

Vejam, essa cautela que nisso reside,

É ela que empobrece o filho da alegria.

Por mais que se veja, o mundo inteiro se torna feio,

Ela mata o mais alto prazer do momento;

Não tens descanso, antes de teres dirigido o barco

Com afã e preocupação, para a 'próxima' praia;

E uma vez lá... podes então descansar?

Não; tens de continuar para uma 'próxima' ilha.

Assim segue... segue em frente, pela vida fora...

Deus sabe se ali nos será concedido um lugar de repouso.

SRA. HALM.

—Que vergonha, senhor Valk, como pode falar assim!

ANNA (pensativa).

—Oh, tudo o que ele diz eu compreendo perfeitamente;

Deve haver, penso eu, algo de verdade nisso.

SRTA. EKSTER (preocupada).

—Ah, o meu futuro marido não deve ouvir isso,

Ele já é excêntrico o suficiente... Ouça, meu caro,

Por favor, venha aqui um momento!

STUIVER (limpando o seu cachimbo).

—Já vou.

GOUDSTAD (para Valk).

—Sim, uma coisa pelo menos está clara para mim:

O senhor devia ter mais em conta a prudência;

Imagine que hoje o senhor fosse poetizar e usasse

Para isso tudo o que tem na caixa de poesia,

Todo o precioso estoque... e visse

Que nada mais restava, se na manhã seguinte quisesse

Poetizar o 'próximo'...

Então a senhora Crítica o apanharia rapidamente.

VALK.

—Duvido muito que ela notasse a bancarrota;

Então a senhora Crítica e eu

Vagaríamos alegremente de braço dado juntos. (interrompendo, com voz alterada).

Mas diga, Lind, o que é que se passa contigo, afinal?

Estás aí todo o tempo tão sombrio;

Ou estás a estudar a construção da casa?

LIND (controlando-se).

—Eu? Como chegaste a essa ideia?

VALK.

—Sim, claro;

Não desvias os olhos da varanda.

São os amplos arcos da varanda

Que observas com tanta seriedade,

Ou talvez o entalhe artístico da porta,

Ou dos postigos das janelas, diz o que é?

Pois algo deve atrair os teus pensamentos.

LIND (com um rosto radiante).

—Não, enganas-te; estou aqui apenas a viver.

Atordoado pelo agora, não desejo mais nada.

Tenho a sensação de que a meus pés

via os tesouros do mundo inteiro espalhados.

Obrigado pela tua canção da alegre vida primaveril.

Isso foi como se tivesse sido tirado da minha própria alma! (levanta o copo e troca um olhar com Anna, despercebido pelos outros).

—Saúde à flor, que espalha doces perfumes

Sem pensar no tornar-se do fruto! (esvazia o copo).

VALK (olha para ele, surpreso e emocionado, mas força-se a um tom ligeiro).

—Ouçam, queridas senhoras, isso é novidade!

Inesperadamente, fiz aqui um prosélito.

Ainda ontem ele andava com o livro de cânticos,

Hoje ele ousadamente toca o tambor do poeta...

Diz-se que um poeta nasce;

Mas às vezes pode-se engordar um prosador

Tão impiedosamente como um pobre ganso,

Com rimas e enganos métricos,

Que tudo nele, fígado, alma e papo,

Fica entupido de gordura lírica e migalhas

De retórica, quando é abatido, (para Lind).

Meus agradecimentos, entretanto, pela tua gentil palavra;

Daqui em diante, tocaremos juntos a lira.

SRTA. EKSTER.

—Oh sim, o senhor trabalha muito agora?

A calma aqui fora entre as árvores em flor,

Onde, sem ser incomodado e sozinho pode vaguear...

SRA. HALM (sorrindo).

—Não, ele é preguiçoso, é uma vergonha.

SRTA. EKSTER.

—Eu pensei que, como convidado da senhora Halm,

O senhor estaria muito ocupado a poetizar. (aponta para a direita).

Este pequeno caramanchão, assim escondido atrás da folhagem,

Parece-me feito para um poeta;

Ali, creio eu, deve vir a inspiração...

VALK (vai para a varanda e apoia os braços na balaustrada).

—Cobri meus olhos com o véu da cegueira,

Então cantarei o céu luminoso.

Proporcionai-me, por um mês,

Uma dor, uma tristeza profunda, gigantesca,

E cantarei jubiloso a alegria de viver.

Ou, melhor ainda, proporcionai-me uma mulher

Que para mim seja minha luz, meu sol, meu Deus.

Já implorei a Nosso Senhor por isso,

Mas ele permaneceu surdo, ou assim o faz, ai de mim.

SRTA. EKSTER.

—Que vergonha, que profano o senhor é!

SRA. HALM.

—Sim, isso é grave!

VALK.

—Oh, não pensem que é minha intenção

Passear com ela de braço dado em público;

Não, de um delírio jubilante e selvagem

Ela deveria, de repente, regressar à eternidade.

De que ginástica para a alma preciso?

Talvez eu conseguisse a minha parte assim.

ZWAANHILDE (aproximou-se; agora está junto de Valk e diz com expressão trocista, mas firme).

—Bem, rezarei por si para um destino assim;

Mas quando vier... aguente-o como um homem.

VALK (virou-se surpreso).

—Oh, senhorita Zwaanhild!... Sim, eu me armarei.

Mas acredita a senhorita que eu possa confiar

Na sua oração, como algo de grande poder?

Pois, ah, o céu não se deixa implorar.

Bem sei que a sua vontade basta por duas

Para me privar da minha paz de espírito;

Mas se a sua fé é suficiente para isso,

Veja, essa é a questão.

ZWAANHILDE (meio a sério, meio a brincar).

—Espere até que a dor venha destruir

O verão leve e verde da vida,...

Espere até que roa e dói dia e noite,

Só então conhecerá o poder da minha fé. (ela vai até as senhoras).

SRA. HALM (em tom abafado).

—Ah, que vocês nunca conseguem viver em paz!

Agora você irritou Valk a sério. (continua a falar baixinho e com repreensão. A Srta. Ekster junta-se à conversa. Zwaanhilde permanece fria e silenciosa).

VALK (depois de um breve silêncio pensativo, vai para o caramanchão e diz para si mesmo).

—Irradiava certeza dos seus olhos.

Se eu pudesse crer como ela, tão firmemente,

Que o céu para mim...

GOUDSTAD.

—Não, isso Deus não quer!

Seria, com todo o respeito, demasiado tolo

Se tais ordens fossem executadas.

Não, sabe, o que o senhor realmente precisa

É ginástica para os braços, pernas, corpo;

Não fique aqui a olhar para a folhagem verde

O dia inteiro. Corte lenha.

E seria uma loucura,

Se dentro de catorze dias o senhor não estivesse

Livre de todas essas tolices de poeta.

VALK.

—Estou como o asno entre uma escolha difícil;

À esquerda, tenta-me a carne; à direita, o espírito;

Qual seria aqui a escolha mais sábia?

GOUDSTAD (enquanto serve).

—Primeiro um copo de ponche, que afasta a sede e a preocupação.

SRA. HALM (olha para o relógio).

—Mas já são quase oito horas; agora penso que

Logo veremos o pastor. (levanta-se e arruma algo na varanda).

VALK.

—O quê? Um pastor aqui?

SRTA. EKSTER.

—Sim, por que não?

SRA. HALM.

—Eu não lhe contei isso há pouco?

ANNA.

—Não, mãe, o senhor Valk não estava presente.

SRA. HALM.

—Sim, é verdade. Mas não olhe tão amuado,

Pois a sua companhia vale o dobro.

VALK.

—Ah, vamos lá, quem é ele, então, esse tão desejado?

SRA. HALM.

—Ora, meu caro senhor, o nome dele é Strooman, afinal.

VALK.

—Sim, esse nome eu já ouvi;

E também vi que ele agora atua

Como deputado no campo da política.

STUIVER.

—Sim, ele fala bem.

GOUDSTAD.

—Mas é uma pena que ele esteja rouco.

SRTA. EKSTER.

—Ele vem aqui com a esposa e...

SRA. HALM.

—Com os filhos...

VALK.

—Para lhes dar um pouco de diversão antecipadamente...

Pois depois ele terá muito trabalho.

Com questões suecas e muitos outros assuntos.

Sim, eu compreendo.

SRA. HALM.

—Esse é um homem, meu senhor!

GOUDSTAD.

—Sim, na juventude, ele era bastante um brincalhão.

SRTA. EKSTER (ofendida).

—De modo algum, meu senhor!

Pois desde que eu era pequena

Ouvi sempre falar com grande respeito—e isso por pessoas em quem se pode confiar—

Sobre o pastor e o seu romance.

GOUDSTAD (rindo).

—Romance?

SRTA. EKSTER.

—Sim. Eu chamo romântico a algo assim,

O que os comuns não conseguem apreciar.

VALK.

—Oh, a minha curiosidade está aguçada.

SRTA. EKSTER (continuando).

—Mas, ah, claro, sempre há pessoas

Que se deixam provocar pelo comovente ao escárnio!

É sabido o suficiente:

Que alguém aqui, ele ainda era apenas um estudante,

Foi tão inaudito e pedante, tão atrevido,

A ponto de criticar até 'William Russell'.

VALK.

—Mas então esse pastor é um poema,

Um drama cristão ou algo assim, talvez?

SRTA. EKSTER (emocionada até às lágrimas silenciosas).

—Não, Valk... um homem, mas com uma alma profunda.

Mas se algo assim, que nem sequer tem vida,

Já desperta tanta maldade e baixa paixão

E consegue desencadear um desejo intenso e feroz,

Tão profundo e amargo...

VALK.

—E tão terrivelmente longo...

SRTA. EKSTER.

—Então, com o seu olhar aguçado, o senhor também

Compreenderá que...

VALK.

—Sim, isso eu compreendo perfeitamente.

Mas o que até agora não me ficou claro

É em que consiste esse romance;

Suspeito que é muito comovente.

Mas não seria possível resumi-lo muito brevemente...

STUIVER.

—Vou tentar resumir os factos principais.

SRTA. EKSTER.

—Não, eu sei mais sobre isso.

Eu posso contar...

SRA. HALM.

—Sim, eu também posso!

SRTA. EKSTER.

—Oh não, senhora, já estou bem encaminhada.

Sabe, meu senhor... ele era considerado candidato

Para uma das mentes mais brilhantes da cidade,

Sabia de crítica e também das novas modas...

SRA. HALM.

—E também representava comédia em casa.

SRTA. EKSTER.

—Espere! E pintava... e fazia música.

SRA. HALM.

—E lembra-se como ele contava bem!

SRTA. EKSTER.

—Deixe-me falar; eu sei tudo sobre isso.

Ele escrevia e compunha a própria música

Sobre algo que... apareceu numa editora;

Chamava-se: 'Uma Coroa de Sonetos para Ela'.

Com que fervor ele a cantava ao violão!

SRA. HALM.

—Sim, isso é certo, ele era genial!

GOUDSTAD (em tom abafado).

—Hum, outros simplesmente o chamavam de louco.

VALK.

—Um filósofo, velho e prático, que não extraía

O que sabia de velhos pergaminhos,

Disse uma vez que o amor podia fazer Petrarquas

Tão bem quanto o gado e a preguiça fazem patriarcas.

Mas quem era 'ela'?

SRTA. EKSTER.

—Essa era a sua muito amada,

Agora há muito a sua esposa, que o senhor vai conhecer.

Ela era filha de uma empresa que...

GOUDSTAD.

—Trabalhava com madeira.

SRTA. EKSTER.

—Sim, o senhor deve saber.

GOUDSTAD.

—Pois era com a Holanda que faziam negócios.

SRTA. EKSTER.

—Ah, isso são apenas coisas triviais.

VALK.

—Uma empresa que...?

SRTA. EKSTER (continuando).

—Era riquíssima, verdadeiros nababos.

O senhor pode compreender que ela era muito desejada;

Pelos mais importantes, era cortejada.

SRA. HALM.

—E havia até um camareiro lá.

SRTA. EKSTER.

—Mas ela lutou bravamente pelos seus direitos de mulher.

Ela tinha visto Strooman no palco;

Vê-lo e amá-lo foi um só...

VALK.

—E todos os pretendentes puderam ir-se embora!

SRA. HALM.

—Sim, imagine, não é realmente romântico?

SRTA. EKSTER.

—Acrescente-se a isso um velho pai cruel

Que não queria fazer outra coisa senão separar corações;

E havia ainda um tutor, creio eu, também,

Para tornar a amarga dor ainda mais amarga;

Mas ela permaneceu-lhe fiel, e ele a ela;

Eles sonhavam com uma cabana no pântano,

Um cordeiro branco como a neve que ambos alimentariam...

SRA. HALM.

—Sim, no máximo uma vaquinha pequena e malhada...

SRTA. EKSTER.

—Em suma, como eles me contavam tantas vezes:

Uma cabana, um riacho fresco, os corações um do outro!

VALK.

—Ah, sim! E então...?

SRTA. EKSTER.

—Ela rompeu com a família.

VALK.

—Para sempre...?

SRA. HALM.

—Sim, ela o fez.

VALK.

—Olha, isso foi corajoso.

SRTA. EKSTER.

—E então foi para o quartinho de Strooman.

VALK.

—Mudou-se para casa dele! Assim, sem... casar primeiro?

SRTA. EKSTER.

—Oh, que horror!

SRA. HALM.

—Que vergonha! Meu marido foi ele próprio testemunha

Do jovem casal...!

STUIVER (para a Srta. Ekster).

—Sim, omitir factos

Desperta dúvidas e confunde a história;

Em relatórios, o importante é

Ordenar cronologicamente e corretamente.

Mas nunca consegui compreender bem

Como eles viviam lá...

VALK (continuando).

—Pois pode-se presumir

Que vaca e ovelha não viviam também no sótão.

SRTA. EKSTER (para Stuiver).

—Oh, meu caro, uma coisa deve ser considerada:

Nada é necessário onde o amor habita;

Dois corações ternos vivem quase de nada. (para Valk)

Ele a amava com a música de cordas e o canto

A que ela respondia com a música de teclado.

SRA. HALM.

—E então, claro, eles viviam a crédito...

GOUDSTAD.

—Um ano, até que a empresa faliu.

SRA. HALM.

—Mas então Strooman recebeu um chamado para o Norte.

SRTA. EKSTER.

—E numa carta, que vi mais tarde, ele jurou

Viver apenas por ela e pelo seu dever.

VALK (complementando).

—E assim o seu romance terminava.

SRA. HALM (levanta-se).

—Vamos, vamos agora dar uma olhada no jardim;

Pode ser que ele esteja a chegar.

SRTA. EKSTER (veste o casaquinho).

—Já está a ficar frio.

SRA. HALM.

—Ah, Zwaanhild, por favor, traga-me o meu xaile de lã.

LIND (discretamente para Anna).

—Vá em frente!

SRA. HALM.

—Vem também?

(Zwaanhilde entra na casa; os outros, exceto Valk, vão para o fundo ou saem pela esquerda. Lind, que tinha ido junto, para e volta).

LIND.

—Meu amigo!

VALK.

—O mesmo digo!

LIND.

—Dê-me a sua mão!

—Estou tão feliz... parece que o meu coração vai explodir,

Se eu não disser a alguém...

VALK.

—Mas calma! Primeiro és interrogado, condenado, depois enforcado.

Que modos são esses? Escondes

De mim, teu amigo, o tesouro que encontraste...

Confessa, a minha suspeita é fundada:

Tiraste um prémio da lotaria da vida!

LIND.

—Sim, pus a mão num belo pássaro!

VALK.

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