CapĂtulo 1 - Parte 1
PERSONAGENS
BORIS GODUNOV, posteriormente Czar.
PRĂNCIPE SHUISKY, nobre russo.
PRĂNCIPE VOROTINSKY, nobre russo.
SHCHELKALOV, Ministro de Estado russo.
PADRE PIMEN, um velho monge e cronista.
GRIGĂRIO OTREPIEV, um jovem monge, posteriormente o Pretendente ao trono da RĂșssia.
O PATRIARCA, Abade do Mosteiro de Chudov.
MISSAIL, frade errante.
VARLAAM, frade errante.
ATANĂSIO MIKAILOVICH PĂCHKIN, amigo do PrĂncipe Shuisky.
FIĂDOR, jovem filho de Boris Godunov.
SEMYON NIKĂTICH GODUNOV, agente secreto de Boris Godunov.
GABRIEL PĂCHKIN, sobrinho de A. M. PĂșchkin.
PRĂNCIPE KURBSKY, nobre russo em desgraça.
KRUCHSHĂV, nobre russo em desgraça.
KARELA, um cossaco.
PRĂNCIPE VICHNEVETSKY.
MNICHEK, Governador de Sambor.
BASMĂNOV, um oficial russo.
MARGERET, oficial do Pretendente.
ROZEN, oficial do Pretendente.
DIMITRI, o Pretendente, anteriormente GrigĂłrio Otrepiev.
MOSALSKY, um boiardo.
KSĂNIA, filha de Boris Godunov.
AMA de KsĂȘnia.
MARINA, filha de Mnicchek.
RĂUZYA, camareira de KsĂȘnia.
DONA DA TAVERNA.
Boiardos, O Povo, Inspetores, Oficiais, Criados, Convidados, um Criado a serviço do PrĂncipe Shuisky, um Padre CatĂłlico, um Nobre PolonĂȘs, um Poeta, um Idiota, um Mendigo, Cavalheiros, Camponeses, Guardas, Soldados Russos, Poloneses e AlemĂŁes, um Prusso Prisioneiro de Guerra, Jovens, uma Velha, Damas, Servas.
*A lista de Personagens, que nĂŁo aparece no original, foi adicionada para a conveniĂȘncia do leitor-A.H.
PALĂCIO DO KREMLIN (20 de Fevereiro, A.D. 1598)
PRĂNCIPE SHUISKY e VOROTINSKY
VOROTINSKY. â Manter a paz da cidade, essa Ă© a tarefa
â Confiada a nĂłs dois, mas vĂłs, na verdade,
â Tereis pouca necessidade de vigiar; Moscou estĂĄ vazia;
â O povo acorreu ao Mosteiro,
â ApĂłs o Patriarca. Que pensais?
â Como terminarĂĄ esta desgraça?
SHUISKY. â Como terminarĂĄ?
â Isso nĂŁo Ă© difĂcil de dizer. Mais um pouco
â A multidĂŁo vai gemer e chorar, Boris
â FranzirĂĄ a testa por um tempo, como um beberrĂŁo
â Olhando um copo de vinho, e no final
â Humildemente de sua graça consentirĂĄ
â Em tomar a coroa; e entĂŁo â e entĂŁo nos governarĂĄ
â Assim como antes.
VOROTINSKY. â Um mĂȘs jĂĄ se passou
â Desde que, recluso com sua irmĂŁ, ele abandonou
â Os assuntos do mundo. NinguĂ©m atĂ© agora abalou
â Seu propĂłsito, nem o Patriarca, nem os boiardos,
â Seus conselheiros; suas lĂĄgrimas, suas oraçÔes ele nĂŁo atende;
â Surdo estĂĄ ao lamento de Moscou, surdo
â Ă voz do Grande Conselho; em vĂŁo eles urgiram
â A triste freira-rainha a consagrar
â Boris Ă soberania; firme estava sua irmĂŁ,
â InexorĂĄvel como ele; creio que Boris
â A inspirou com este espĂrito. E se nosso governante
â Estiver realmente doente de preocupaçÔes de estado
â E nĂŁo tiver forças para subir ao trono? Que
â Dizes?
SHUISKY. â Digo que, nesse caso, o sangue em vĂŁo
â Correu do jovem czarevich, que Dimitri
â Bem poderia estar vivo.
VOROTINSKY. â Crime terrĂvel!
â EstĂĄ alĂ©m de toda dĂșvida que Boris arquitetou
â O assassinato do jovem menino?
SHUISKY. â Quem mais? Quem mais
â Subornou Chepchugov em vĂŁo? Quem enviou em segredo
â Os irmĂŁos Bityagovsky com Kachalov?
â Eu mesmo fui enviado a Uglich, lĂĄ para investigar
â Este assunto no local; vestĂgios frescos lĂĄ
â Encontrei; a cidade inteira testemunhou o crime;
â Em unĂssono os burgueses todos o afirmaram;
â E com uma Ășnica palavra, ao retornar,
â Eu poderia ter provado a culpa do vilĂŁo secreto.
VOROTINSKY. â Por que entĂŁo nĂŁo o esmagaste?
SHUISKY. â Na ocasiĂŁo,
â Eu confesso, sua inesperada calma,
â Sua desfaçatez, me assombrou. Honestamente
â Ele me olhou nos olhos; ele me questionou
â De perto, e eu repeti em sua face
â A tola histĂłria que ele mesmo me sussurrara.
VOROTINSKY. â Um negĂłcio feio, PrĂncipe.
SHUISKY. â Que poderia eu fazer?
â Declarar tudo a FiĂłdor? Mas o czar
â Via todas as coisas com os olhos de Godunov.
â Ouviu todas as coisas com os ouvidos de Godunov;
â Mesmo que eu tivesse provado plenamente,
â Boris o teria negado na hora,
â E eu teria sido levado para a prisĂŁo,
â E em devido tempo â como meu prĂłprio tio â estrangulado
â No silĂȘncio de algum calabouço de paredes surdas.
â NĂŁo me gabo quando digo que, dada a ocasiĂŁo,
â Nenhuma pena me assusta. NĂŁo sou covarde,
â Mas tambĂ©m nĂŁo sou tolo, e nĂŁo escolho
â Por livre vontade andar para a forca.
VOROTINSKY. â Atrocidade monstruosa! Escuta; garanto-te
â O remorso jĂĄ rĂłi o assassino;
â Tenha certeza de que o sangue daquela mesma criança inocente
â O impedirĂĄ de subir ao trono.
SHUISKY. â Isso nĂŁo o deterĂĄ; Boris nĂŁo Ă© tĂŁo tĂmido!
â Que honra para nĂłs, sim, para toda a RĂșssia!
â Um escravo de ontem, um tĂĄrtaro, filho
â Por casamento de Maliuta, de um carrasco,
â Ele mesmo em alma um carrasco, ele a usar
â A coroa e o manto de Monomakh!â
VOROTINSKY. â Tendes razĂŁo;
â Ele Ă© de nascimento humilde; nĂłs dois podemos nos gabar
â De uma linhagem mais nobre.
SHUISKY. â De fato, podemos!
VOROTINSKY. â Lembremo-nos, Shuisky, Vorotinsky
â Somos, digamos, prĂncipes de nascimento.
SHUISKY. â Sim, prĂncipes de nascimento,
â E do sangue de Rurik.
VOROTINSKY. â Escuta, PrĂncipe;
â EntĂŁo nĂłs, parece, deverĂamos ter o direito de subir
â Ao trono de FiĂłdor.
SHUISKY. â Em vez de Godunov.
VOROTINSKY. â Na verdade, assim parece.
SHUISKY. â E entĂŁo?
â Se Boris ainda perseguir seus caminhos astutos,
â Tratemos de, por meios hĂĄbeis, incitar
â O povo. Que eles se afastem de Godunov;
â PrĂncipes eles tĂȘm em abundĂąncia entre eles;
â Que eles de seu nĂșmero escolham um czar.
VOROTINSKY. â De nĂłs, Varegues de sangue, hĂĄ muitos,
â Mas nĂŁo Ă© fĂĄcil para nĂłs competir
â Com Godunov; o povo nĂŁo estĂĄ acostumado
â A reconhecer em nĂłs um ramo antigo
â De seus velhos mestres guerreiros; hĂĄ muito
â JĂĄ perdemos nossos apanĂĄgios,
â HĂĄ muito servimos apenas como subordinados dos czares,
â E ele soube, pelo medo, e amor, e glĂłria,
â Como enfeitiçar o povo.
SHUISKY. (Olhando por uma janela.) â Ele ousou,
â Isso Ă© tudo â enquanto nĂłs â Basta disto. VĂȘs
â Dispersamente o povo a retornar.
â Iremos sem demora e saberemos o que foi resolvido.
A PRAĂA VERMELHA
1ÂȘ PESSOA DO POVO. â Ele Ă© inexorĂĄvel! Ele afastou de si
â Prelados, boiardos e o Patriarca; em vĂŁo
â Prostram-se; o esplendor do trono
â O assusta.
2ÂȘ PESSOA. â Ă, meu Deus, quem nos governarĂĄ?
â Ă, ai de nĂłs!
3ÂȘ PESSOA. â Vede! O Ministro Chefe
â EstĂĄ saindo para nos dizer o que o Conselho
â Acaba de resolver.
O POVO. â SilĂȘncio! SilĂȘncio! Ele fala,
â O Ministro de Estado. SilĂȘncio, silĂȘncio! Ouvi!
SHCHELKALOV. (Do BalcĂŁo Vermelho.)
â O Conselho resolveu pela Ășltima vez
â Colocar Ă prova o poder da sĂșplica
â Sobre a alma triste de nosso governante. Ao amanhecer,
â ApĂłs um serviço solene no Kremlin,
â O bendito Patriarca irĂĄ, precedido
â Por estandartes sagrados, com os santos Ăcones
â De Donsky e Vladimir; com ele irĂŁo
â O Conselho, cortesĂŁos, delegados, boiardos,
â E todo o povo ortodoxo de Moscou; todos
â IrĂŁo orar mais uma vez Ă rainha para ter pena
â De Moscou ĂłrfĂŁ, e para consagrar
â Boris Ă coroa. Agora para vossos lares
â Ide em paz: orai; e ao CĂ©u subirĂĄ
â A petição do coração dos ortodoxos.
(O POVO dispersa-se.)
CAMPO DA VIRGEM
O NOVO CONVENTO. O Povo.
1ÂȘ PESSOA. â Para suplicar Ă czarina em sua cela
â Agora eles foram. Para lĂĄ foram Boris,
â O Patriarca, e uma hoste de boiardos.
2ÂȘ PESSOA. â Que notĂcias?
3ÂȘ PESSOA. â Ainda estĂĄ irredutĂvel; contudo hĂĄ esperança.
MULHER CAMPONESA. (Com uma criança.)
â Maldito! Pare de chorar, senĂŁo o bicho-papĂŁo
â Vai te levar. Maldito, maldito! Pare de chorar!
1ÂȘ PESSOA. â NĂŁo podemos passar por trĂĄs da cerca?
2ÂȘ PESSOA. â ImpossĂvel!
â Sem chance alguma! NĂŁo sĂł o convento estĂĄ
â Lotado; os arredores tambĂ©m estĂŁo cheios de gente.
â Vede que espetĂĄculo! Toda Moscou acorreu aqui.
â Vede! Cercas, telhados e cada andar
â Da torre sineira da Catedral, as cĂșpulas das igrejas,
â As prĂłprias cruzes estĂŁo apinhadas de gente.
1ÂȘ PESSOA. â Um belo espetĂĄculo, de fato!
2ÂȘ PESSOA. â Que barulho Ă© esse?
3ÂȘ PESSOA. â Escutai! Que barulho Ă© esse? â O povo gemeu;
â Vede lĂĄ! Eles caem como ondas, fila apĂłs fila â De novo â de novo â Agora, irmĂŁo, Ă© a nossa vez;
â SĂȘ rĂĄpido, ajoelha-te!
O POVO. (De joelhos, gemendo e lamentando-se.)
â Tende pena de nĂłs,
â Nosso pai! Ă, governai sobre nĂłs! Ă, sĂȘ
â Pai para nĂłs, e czar!
1ÂȘ PESSOA. (Sotto voce.) â Por que eles estĂŁo se lamentando?
2ÂȘ PESSOA. â Como podemos saber? Os boiardos sabem muito bem.
â NĂŁo Ă© da nossa conta.
MULHER CAMPONESA. (Com uma criança.)
â Ora, o que Ă© isso? Justo quando
â Devia chorar, a criança para de chorar. Eu te mostrarei!
â LĂĄ vem o bicho-papĂŁo! Chora, chora, mimado!
(Joga-a no chão; a criança grita.)
â Isso mesmo, isso mesmo!
1ÂȘ PESSOA. â Como todo mundo estĂĄ chorando,
â NĂłs tambĂ©m, irmĂŁo, começaremos a chorar.
2ÂȘ PESSOA. â IrmĂŁo, eu tento o meu melhor, mas nĂŁo consigo.
1ÂȘ PESSOA. â Nem eu.
â NĂŁo tens uma cebola?
2ÂȘ PESSOA. â NĂŁo; molharei
â Meus olhos com cuspe. O que estĂĄ acontecendo lĂĄ agora?
1ÂȘ PESSOA. â Quem sabe
â O que estĂĄ havendo?
O POVO. â A coroa para ele! Ele Ă© o czar!
â Ele cedeu! â Boris! â Nosso czar! â Vida longa a Boris!
O PALĂCIO DO KREMLIN
BORIS, PATRIARCA, Boiardos
BORIS. â Tu, Padre Patriarca, todos vĂłs, boiardos!
â Minha alma estĂĄ nua diante de vĂłs; vĂłs vistes
â Com que humildade e temor eu tomei
â Este poderoso poder sobre mim. Ah! QuĂŁo pesado
â Meu fardo de obrigação! Eu sucedo
â Aos grandes Ivans; sucedo ao czar anjo! â Ă Pai Justo, Rei dos reis, olhai
â Do CĂ©u sobre as lĂĄgrimas de Vossos verdadeiros servos,
â E enviai sobre aquele que amastes, a quem VĂłs
â Exaltastes na terra tĂŁo maravilhosamente,
â Vossa santa bĂȘnção. Que eu governe meu povo
â Em glĂłria, e como VĂłs seja bom e justo!
â A vĂłs, boiardos, eu procuro ajuda. Servi-me
â Como o servistes, quando eu compartilhava vossos trabalhos,
â Antes de ser escolhido pela vontade do povo.
BOIARDOS. â NĂŁo nos afastaremos do nosso juramento.
BORIS. â Agora vamos ajoelhar-nos diante dos tĂșmulos
â Dos grandes governantes falecidos da RĂșssia. EntĂŁo
â Mandai convocar todo o nosso povo para uma festa,
â Todos, do nobre ao pobre mendigo cego.
â A todos entrada livre, todos muito bem-vindos.
(Sai, seguido pelos Boiardos.)
PRĂNCIPE VOROTINSKY. (Parando Shuisky.)
â Acertaste em cheio.
SHUISKY. â Adivinhei o quĂȘ?
VOROTINSKY. â Ora, te lembras â No outro dia, aqui mesmo neste lugar.
SHUISKY. â NĂŁo, nĂŁo me lembro de nada.
VOROTINSKY. â Quando o povo
â Acorreu ao Campo da Virgem, tu disseste â
SHUISKY. â NĂŁo Ă©
â A hora de recordaçÔes. HĂĄ momentos
â Em que eu deveria aconselhar-te a nĂŁo lembrar,
â Mas atĂ© a esquecer. E quanto ao resto,
â Procurei apenas com falsa calĂșnia provar-te,
â Para discernir melhor teus pensamentos secretos.
â Mas vede! O povo saĂșda o czar â minha ausĂȘncia
â Pode ser notada. Juntar-me-ei a eles.
VOROTINSKY. â CortĂȘs astuto!
NOITE
Cela no Mosteiro de Chudov (A.D. 1603)
PADRE PIMEN, GRIGĂRIO (dormindo)
PIMEN (Escrevendo diante de uma lamparina sagrada.)
â Mais um, o registro final, e meus anais
â EstĂŁo terminados, e cumprido o dever imposto
â Por Deus a mim, um pecador. NĂŁo em vĂŁo
â Deus me designou por muitos anos
â Uma testemunha, ensinando-me a arte das letras;
â Um dia virĂĄ em que algum monge laborioso
â TrarĂĄ Ă luz meu zeloso e anĂŽnimo trabalho,
â AcenderĂĄ, como eu, sua lamparina, e do pergaminho
â Sacudindo a poeira dos sĂ©culos transcreverĂĄ
â Minhas verdadeiras narraçÔes, para que a posteridade
â As fortunas passadas dos ortodoxos
â De sua prĂłpria terra possa aprender, farĂĄ menção
â De seus grandes czares, seus trabalhos, glĂłria, bondade â
â E humildemente por seus pecados, seus atos maus,
â ImplorarĂĄ a misericĂłrdia do Salvador. â Na velhice
â Eu vivo de novo; o passado se desenrola diante de mim. â SerĂĄ que em anos hĂĄ muito passados se esvaiu,
â Cheio de eventos, e agitado como o fundo?
â Agora estĂĄ silenciado e tranquilo. Poucos os rostos
â Que a memĂłria salvou para mim, e poucas
â As palavras que me chegaram; â o resto
â Pereceu, para nunca mais voltar. â Mas o dia
â Se aproxima, a lamparina queima baixo, mais um registro,
â O Ășltimo. (Ele escreve.)
GRIGĂRIO. (Despertando.) â Sempre o mesmo sonho! Ă possĂvel?
â Pela terceira vez! Sonho maldito! E sempre
â Diante da lamparina senta o velho e escreve â
â E nem toda a noite, parece, de sonolĂȘncia,
â Fechou os olhos. Amo a visĂŁo pacĂfica,
â Quando, com a alma imersa no passado,
â Ele mantĂ©m sua crĂŽnica. Muitas vezes desejei
â Adivinhar sobre o que ele escreve. SerĂĄ, por acaso,
â O sombrio domĂnio dos tĂĄrtaros? SerĂĄ
â Os castigos sombrios de Ivan, o tempestuoso Conselho de Novgorod? Ă sobre a glĂłria
â De nossa querida pĂĄtria? â Pergunto em vĂŁo!
â Nem em sua fronte altiva, nem em seus olhares
â Podemos ler seus pensamentos secretos; sempre
â O mesmo aspecto; humilde e ao mesmo tempo altivo â
â Como algum Ministro de Estado envelhecido no cargo,
â Calmamente ele contempla o justo
â E o culpado, com indiferença ele ouve
â O mal e o bem, e nĂŁo conhece ira nem piedade.
PIMEN. â Despertaste, irmĂŁo?
GRIGĂRIO. â Honrado Pai, dai-me
â Vossa bĂȘnção.
PIMEN. â Que Deus te abençoe neste dia,
â AmanhĂŁ, e para sempre.
GRIGĂRIO. â A noite inteira
â Tu estiveste escrevendo e abstive-te de dormir,
â Enquanto visĂ”es demonĂacas perturbaram minha paz,
â O demĂŽnio me molestou. Sonhei que subia
â Por escadas em espiral uma torre, de cuja altura
â Moscou parecia um formigueiro, onde o povo
â Fervilhava nas praças abaixo e apontava para mim
â Com risos. Vergonha e terror me invadiram â
â E caindo de cabeça, acordei. TrĂȘs vezes
â Sonhei o mesmo sonho. NĂŁo Ă© estranho?
PIMEN. â Ă o sangue jovem em ação; humilha-te
â Pela oração e pelo jejum, e as visĂ”es de teu sono
â SerĂŁo todas cheias de leveza. AtĂ© agora,
â Se eu, involuntariamente enfraquecido pela sonolĂȘncia,
â NĂŁo faço longas oraçÔes Ă noite,
â Meu sono de velho nĂŁo Ă© calmo nem sem pecado;
â Agora aparecem festas tumultuosas, agora acampamentos de guerra,
â Conflitos de batalha, diversĂ”es fĂșteis
â Dos anos juvenis.
GRIGĂRIO. â Com que alegria tu
â Viveste tua juventude! A fortaleza de Kazan
â Tu combateste sob ela, com Shuisky repeliste
â O exĂ©rcito da LituĂąnia. Tu viste a corte,
â E o esplendor de Ivan. Ah! Feliz tu!
â Enquanto eu, desde a infĂąncia, um miserĂĄvel monge,
â Vago de cela em cela! Por que a mim
â NĂŁo me foi dado jogar o jogo da guerra,
â Banquetear-me Ă mesa de um czar?
â EntĂŁo, como tu, eu na minha velhice
â Com prazer me teria retirado do mundo barulhento,
â Para me dedicar a ser monge,
â E no claustro tranquilo terminar meus dias.
PIMEN. â NĂŁo te queixes, irmĂŁo, que o mundo pecaminoso
â Tu cedo abandonaste, que poucas tentaçÔes
â O AltĂssimo te enviou. Acredita em minhas palavras;
â A glĂłria do mundo, seu luxo,
â O amor sedutor da mulher, visto de longe,
â Escraviza nossas almas. Longo tempo vivi, tomei
â Prazer em muitas coisas, mas nunca conheci
â Verdadeira bem-aventurança atĂ© aquela estação em que o Senhor
â Me guiou ao claustro. Pensa, meu filho,
â Nos grandes czares; quem mais elevado que eles?
â SĂł Deus. Quem ousa contrariĂĄ-los? NinguĂ©m. E entĂŁo?
â Muitas vezes a coroa de ouro tornou-se para eles
â Um fardo; por um capuz a trocaram.
â O czar Ivan buscou no trabalho monĂĄstico
â Tranquilidade; seu palĂĄcio, outrora cheio
â De capangas altivos, tornou-se em tudo
â Um mosteiro; os prĂłprios libertinos pareciam
â Monges obedientes, o terrĂvel czar aparecia
â Um piedoso abade. Aqui, nesta mesma cela (Naquela Ă©poca, Cirilo, o muito sofredor,
â Um homem justo, nela habitava; atĂ© a mim
â Deus entĂŁo me fez compreender o nada
â Das vaidades mundanas), aqui eu vi,
â Cansado de pensamentos irados e execuçÔes,
â O czar; entre nĂłs, meditativo, quieto
â Aqui se sentava o TerrĂvel; nĂłs, imĂłveis,
â EstĂĄvamos em sua presença, enquanto ele falava conosco
â Em tons tranquilos. Assim ele falou ao abade
â E a todos os irmĂŁos: â Meus pais, em breve virĂĄ
â O dia tĂŁo esperado; aqui eu estarei diante de vĂłs,
â Com fome de salvação; Nicodemo,
â Tu SĂ©rgio, tu Cirilo, todos aceitareis
â Meu voto espiritual; a vĂłs em breve virei
â Amaldiçoado em pecado, aqui o hĂĄbito limpo tomarei,
â Prostrado, santĂssimo pai, a vossos pĂ©s.
â Assim falou o senhor soberano, e de seus lĂĄbios
â Docemente fluĂram os acentos. Ele chorou; e nĂłs
â Com lĂĄgrimas pedimos a Deus que enviasse Seu amor e paz
â Sobre sua alma sofredora e tempestuosa. â E seu filho FiĂłdor? No trono
â Ele suspirou por levar uma vida de calma devoção.
â Os aposentos reais em uma cela de oração
â Ele transformou, onde os pesados cuidados de estado
â NĂŁo afligiam sua santa alma. Deus passou a amar
â A humildade do czar; em seus bons dias
â A RĂșssia foi abençoada com glĂłria inabalĂĄvel,
â E na hora de seu falecimento ocorreu
â Um milagre inaudito; ao seu leito,
â Visto apenas pelo czar, apareceu um ser
â Excedente em brilho, com quem FiĂłdor começou
â A se comunicar, chamando-o de grande Patriarca; â
â E todos ao redor dele foram tomados de medo,
â Meditando sobre a visĂŁo enviada do CĂ©u,
â JĂĄ que naquela Ă©poca o Patriarca nĂŁo estava presente
â Na igreja diante do czar. E quando ele morreu
â O palĂĄcio ficou cheio de santa fragrĂąncia.
â E como o sol sua fisionomia resplandecia.
â Nunca mais veremos tal czar. â Ă, horrĂvel, terrĂvel desgraça! Pecamos,
â Iramos a Deus; escolhemos para nosso governante
â Um assassino de czar.
GRIGĂRIO. â Honrado Pai, hĂĄ muito
â Desejo perguntar-vos sobre a morte
â Do jovem Dimitri, o czarevich; vĂłs, dizem,
â EstĂĄveis entĂŁo em Uglich.
PIMEN. â Sim, meu filho,
â Eu bem me lembro. Foi Deus quem me levou
â A testemunhar aquela mĂĄ ação, aquele pecado sangrento.
â Eu naquela Ă©poca fui enviado a Uglich distante
â Em alguma missĂŁo. Cheguei Ă noite.
â Na manhĂŁ seguinte, Ă hora da santa missa,
â Ouvi de repente um sino tocar; era o sino de alarme. EntĂŁo um grito, um tumulto;
â Homens correndo para a corte da czarina.
â Para lĂĄ me apressei, e jĂĄ havia acorrido
â Toda Uglich. LĂĄ vejo o jovem czarevich
â Jazendo massacrado: a rainha-mĂŁe em desmaio
â Curvada sobre ele, sua ama em seu desespero
â Lamentando-se; e entĂŁo o povo enlouquecido arrasta
â A ama Ămpia e traiçoeira para longe. Aparece
â De repente no meio deles, selvagem, pĂĄlido de raiva,
â Judas Bityagovsky. â Ali, ali estĂĄ o vilĂŁo!
â Gritam de todos os lados a multidĂŁo, e num piscar
â Ele nĂŁo existia mais. Imediatamente o povo correu
â Sobre os trĂȘs assassinos em fuga; eles agarraram
â Os malfeitores escondidos e os levaram
â Ao cadĂĄver ainda quente da criança; quando eis! Uma maravilha â
â A criança morta de repente começou a tremer!
â Confessai! â o povo trovejou; e em terror
â Sob o machado os vilĂ”es confessaram â
â E nomearam Boris.
GRIGĂRIO. â Quantos verĂ”es viveu
â O menino assassinado?
PIMEN. â Sete verĂ”es; ele agora teria (Desde entĂŁo passaram dez anos â nĂŁo, mais â doze anos)
â A mesma idade que tu,
â E teria reinado; mas Deus julgou de outro modo.
â Esta Ă© a histĂłria lamentĂĄvel com a qual
â Minha crĂŽnica termina; desde entĂŁo pouco
â Me envolvi em assuntos mundanos. IrmĂŁo GrigĂłrio,
â Tu iluminaste tua mente com estudo sĂ©rio;
â A ti eu entrego minha tarefa. Em horas livres
â Do exercĂcio da alma, tu registrarĂĄs,
â NĂŁo sutilmente raciocinando, todas as coisas Ă s quais
â SerĂĄs testemunha na vida; guerra e paz,
â O domĂnio dos reis, os santos milagres
â Dos santos, todas as profecias e sinais celestiais; â
â Para mim Ă© hora de descansar e apagar minha lamparina. â
â Mas escuta! O sino da manhĂŁ. Abençoai, Senhor, Vossos servos!
â Dai-me minha muleta.
(Sai.)
GRIGĂRIO. â Boris, Boris, diante de ti
â Todos tremem; ninguĂ©m ousa sequer lembrar-te
â Do que aconteceu Ă criança infeliz; enquanto isso
â Aqui, numa cela escura, um eremita escreve
â Tua severa denĂșncia. Tu nĂŁo escaparĂĄs
â Do julgamento nem deste mundo,
â Como nĂŁo escaparĂĄs da condenação de Deus.
MURO DO MOSTEIRO* *Esta cena foi omitida por Pushkin da versão publicada da peça.
GRIGĂRIO e um Monge Perverso
GRIGĂRIO. â Ă, que cansaço Ă© nossa pobre vida,
â Que misĂ©ria! O dia vem, o dia vai, e sempre
â Se vĂȘ, se ouve uma sĂł coisa; sĂł se vĂȘ
â SĂł batinas pretas, sĂł se ouve o sino.
â Bocejando de dia tu vagueias, vagueias, nada
â Para fazer; tu cochilas; a noite inteira atĂ© o amanhecer
â O pobre monge fica acordado; e quando no sono
â Tu te perdes, sonhos negros perturbam a alma;